Conceição Evaristo: menos lida que querida
A obra da escritora mineira ilustra que relação o leitor contemporâneo estabelece com os livros e seus autores
Li recentemente Canção para ninar menino grande, de Conceição Evaristo. Li o que é a segunda edição “revista e ampliada” da obra: o romance veio a lume primeiro em 2018; em 2022, por estar insatisfeita com o resultado, segundo a própria autora, lançou uma nova versão da história. Não tenho em mãos a primeira edição para cotejá-las e dizer se as mudanças foram significativas ou se de fato melhoraram o livro. O que posso dizer é que foi uma das leituras mais divertidas que fiz nos últimos tempos. Com a leitura, vieram à tona algumas questões relativas à figura de Conceição Evaristo, que traz consigo questões da literatura contemporânea bastante interessantes.
Nos dias de hoje, é inegável a influência da internet em nossas interações “no mundo real”. E todas as áreas de nossa vida foram absorvidas por essa lógica das redes. Não poderia ser diferente com a literatura. Assim, os escritores vivos devem se tornar, inevitavelmente, também influencers e produtores de conteúdo. Suas opiniões sobre literatura e o mundo têm muito mais valor do que as dos críticos literários. Ou seja, atualmente, mais do que vender um livro, deve-se vender uma imagem. A essa imagem estão acoplados determinados discursos, determinadas ideias, determinados gostos, determinados estilos. Também estão atrelados a essa imagem outros produtos: camisetas, cursos, edições comemorativas etc.
Penso que Conceição Evaristo é muito mais uma imagem do que uma escritora; que sua figura representa mais que sua obra. E não quero dizer, com isso, que seus livros sejam de pouco valor: quero dizer que é assim que o público leitor de literatura contemporânea a enxerga. Digo isso porque a sua fama e a sua relevância no meio cultural brasileiro não são compatíveis com o seu número de leitores. Vejamos alguns números. Conceição tem mais de 375 mil seguidores no Instagram. Até onde sei, não há escritor brasileiro com mais seguidores do que ela. Para se ter uma ideia de como esse número é expressivo, basta comparar com outras figuras de peso do mercado editorial: Itamar Vieira Jr., autor de Torto arado, possui cerca de 124 mil seguidores; Carla Madeira, autora de Tudo é rio, possui quase 89 mil; Aline Bei, autora de Pequena coreografia do adeus, possui mais de 74 mil; Jeferson Tenório, autor de O avesso da pele, pouco mais que 63 mil; Socorro Accioli, autora de A cabeça do santo, 34 mil. Esses números nos mostram que o número de seguidores até aponta que o escritor é relevante, mas não são proporcionais aos números de leitores. Afinal, apesar do sucesso do romance de Itamar Vieira Jr., Carla Madeira é a escritora brasileira que mais vende.
Embora seja difícil mensurar quantas pessoas leram determinado livro, as métricas da Amazon e de uma plataforma como o Skoob me parecem confiáveis e adequadas à realidade. Olhos d’água, certamente a mais famosa obra de Conceição Evaristo, agraciada com o Jabuti em 2015, recebeu mais de 11 mil avaliações na Amazon. Os demais livros, não chegam a duas mil. Seu último lançamento, a releitura de A hora da estrela, conta com 122 tão somente. No Skoob, a proporção é parecida: Olhos d’água tem mais 22 mil leitores. Ponciá Vicêncio, cerca de menos de 6,5 mil. Canção para ninar menino grande não chega aos 5 mil leitores. Esses números, não me entendam mal, estão muito longe de serem ruins: porém eles não são compatíveis com o prestígio de que goza a escritora em nossa país. Para isso ficar evidente, comparemos com as métricas dos já citados escritores.
No caso de Itamar Vieira Jr., sua obra, Salvar o fogo, que foi um sucesso bastante menor que o livro lançado anteriormente, possui quase 2,7 mil avaliações na Amazon e quase 6,5 mil leitores no Skoob. Ou seja, o seu desempenho é muito similar ao de Conceição Evaristo. Torto arado, no entanto, tem números bem maiores do que Olhos d’água: quase 38 mil avaliações na Amazon e mais de 90 mil leitores no Skoob. Carla Madeira possui a seguinte métrica: A natureza da mordida chega a quase 8,3 mil avaliações na Amazon e a quase 28 mil leitores no Skoob. Véspera possui mais de 11,7 mil avaliações na Amazon e mais de 35 mil leitores no Skoob. Tudo é rio, seu maior sucesso, possui mais de 40,8 mil avaliações na Amazon e mais de 120 mil leitores no Skoob. Esses números me parecem suficientes para demonstrar o que venho argumentando ao longo do texto: não é difícil supor que muitas pessoas que seguem e admiram Conceição Evaristo nunca leram uma obra sua, ou mesmo leram apenas Olhos d’água. No caso de Carla Madeira, porém, é plausível supor que ela tenha até menos seguidores do que leitores.
Comecei a pensar nessas questões ano passado, durante a Flip 2023. Fiquei bastante empolgado com o fato de que Evaristo lançaria sua releitura de Macabéa naquele evento. Ao vê-la chegar ao evento rodeada por fãs, como uma celebridade, imaginei que teríamos um novo best-seller, um livro que seria leitura obrigatória para todos: possuía, afinal, duplo apelo, pois a um só tempo era a nova obra de Conceição Evaristo, lançada em contexto tão favorável, com a recriação de um dos livros mais amados entre os leitores brasileiros. No entanto, fiquei muito surpreso quando foi divulgada a lista dos livros mais vendidos e nela Macabéa: flor de mulungu sequer aparecia entre os 10. Quem liderava era Socorro Acioli, que possui uma quantidade relativamente pequena de seguidores e que é muito menos representativa da literatura contemporânea.
Considero importante e louvável, do ponto de vista ético e político, que Conceição Evaristo possua tamanha relevância no meio literário. Mas considero igualmente importante que esse reconhecimento seja acompanhado da leitura de seus livros – e que ela seja julgada também pela qualidade literária de seus textos, pois eles certamente corresponderão bem às expectativas criadas por uma autoria tão representativa da literatura contemporânea. Recomendo profundamente a leitura de Canção para ninar menino grande: trata-se de obra leve (mas não simplória), que deixa evidente a capacidade imaginativa e a habilidade de montar uma narrativa vívida de Conceição Evaristo. Sem querer dar informações em demasia, adianto que o amor, e também suas dores, conduzem o enredo, que culmina com uma criativa releitura da figura tão convencional do Don Juan. Deixo uma sinopse, pois a análise dessa obra fica para outro texto.
Texto de José Roberto de Luna Filho
A gente indica
Há uma geração de poetas pernambucanos bastante conhecida: a chamada Geração de 65. Ela inclui nomes como Alberto da Cunha Melo, Janice Japiassu, Ângelo Monteiro, Jaci Bezerra e Lucila Nogueira. Há um poeta, porém, que, apesar de figurar nessa geração, chegou “atrasado”, por ser mais jovem: Paulo Gustavo. Ele continua vivo e produzindo excelentes poemas, inclusive em sua página no Instagram, @paulogustavo50. Vale muito a pena conferir seu livro lançado pela Cepe, O azul também se revolta. O livro é baratinho e garantimos ao leitor que o preço é inversamente proporcional à qualidade da poesia que ali se encontra. Você pode comprar clicando aqui.
Este mês sairão mais dois episódios do nosso podcast. Enquanto eles não saem, confere os dois últimos: