Os prêmios literários são também políticos
E é por serem políticos que os considero relevantes
Sempre fui um leitor muito alheio à literatura enquanto fenômeno cultural e social. Durante a adolescência e começo da vida adulta, escolhia minhas leituras sem nenhum interesse que não o de me divertir. Assim, nunca me interessei por prêmios literários: isto é, escritores e livros premiados não ocupavam um lugar privilegiado nas minhas listas de leitura. Em verdade, considerava um prêmio Nobel mais como uma longínqua legitimação de um escritor. A primeira vez em que de fato parei para pensar no funcionamento e na relevância dessas premiações foi quando, em 2021, Cristhiano Aguiar deu a ideia de gravarmos com Rodrigo Casarin uma live (que à época estava na moda) sobre a premiação daquele ano no instagram do Afinidades Eletivas.
Após o processo de pesquisa para fazer minha participação na live e as conversas que ali desenvolvemos, percebi que todo aquele que se interessa pela literatura enquanto um fenômeno social que impacta leitores de carne e osso necessariamente precisa se ocupar dos prêmios literários. É necessário, no entanto, estar ciente de que os prêmios literários são políticos.
Prêmios e qualidade literária
Os prêmios não avaliam apenas a qualidade literária. E, ainda que o fizesse, essa seria uma tarefa utópica, uma vez que não é possível partir de pressupostos estéticos absolutos para julgar quais sejam as melhores obras. Na Teoria da Literatura e nas academias de Letras, não existem consensos de especialistas, como ocorre nas ciências naturais. Afinal, não raro a perspectiva teórica assumida modifica o juízo a respeito do que se considera melhor ou pior nas obras literárias. Na verdade, a depender da perspectiva que se assuma, até a necessidade de separar os livros em grandes e menores é questionada, pelo caráter político, ideológico e por vezes problemático que a criação de um cânone pressupõe.
Dessa forma, a vitória de um livro em determinado prêmio diz muito mais sobre a composição de seu júri e sobre o momento político e social em que foi avaliado do que sobre sua qualidade em si. O que não significa, é claro, que um júri vá premiar obras ruins sempre, guiado apenas por interesses contextuais. Significa, isso sim, que os elementos a serem considerados mais valorosos num livro são inseridos em determinado contexto. Para ilustrar o que estou dizendo, vou citar um caso bastante instrutivo. No prêmio Jabuti de 2022, os dez livros que chegaram à final eram todos escritos por mulheres. Sem querer dizer que aquelas escritoras não tenham méritos, cabe lembrar que ficou de fora dessa lista o romance A palavra que resta, de Stênio Gardel, que ganhou O National Book Award de melhor livro traduzido para a língua inglesa. Não se pode negar, por essa outra premiação de peso, que o livro possua méritos que especialistas poderiam considerar dignos de pelo menos fazer com que ele figurasse entre os dez melhores do Jabuti. Além disso, o vencedor dessa edição foi O som do rugido da onça, da minha conterrânea Micheliny Verunschk, que superou o romance A pediatra, de Andrea del Fuego. Segundo os meus critérios, o livro de Andrea del Fuego tem mais méritos e deveria ser premiado como o melhor naquele ano. No entanto, não é absurdo pensar que a temática de O som do rugido da onça inspire maior simpatia da parte dos jurados e faça com que eles considerem aquele um livro mais merecedor do prêmio por aquilo que representa.
Esses aspectos extraliterários são relevantes e fazem parte de qualquer premiação. Não é possível criar um júri imparcial, capaz de julgar de maneira distanciada os méritos literários de cada obra. Nisso está incluso o prêmio Nobel de literatura. Muitos critérios de ordem política já influenciaram e influenciam na escolha do ganhador. E isso não quer dizer, novamente, que ganhem maus escritores: quer dizer apenas que os perdedores, a depender do critério adotado na avaliação, podem ser até muito melhores. Basta pensar na figura de um Milan Kundera, que chegou perto mas nunca ganhou o prêmio mais importante de literatura. Por outro lado, um dos agraciados com o Nobel foi Winston Churchill (sim, o estadista britânico!).
A função e a importância dos prêmios
No caso que citei acima, do Jabuti de 2022, é possível que a escolha de dez mulheres não tenha sido aleatória e sim escolha deliberada do júri para dar maior visibilidade a obras de autoria feminina no cenário brasileiro. Se o critério pode ser muito mais político do que literário, devemos então ignorar os prêmios?
Muito pelo contrário! Quando ressalto a dimensão política das premiações, não é para criticar a falta de critério estritamente literário, mas sim para dizer que é difícil isolar as obras de ficção de seu entorno, de seu impacto enquanto fenômeno social. É porque os prêmios absorvem essas demandas extraliterárias do seu tempo que eles são relevantes. Afinal, ler livros premiados é estar por dentro da atmosfera intelectual e cultural que nos circunda. É o que nos ajuda a perceber, inclusive de modo crítico, o que pelo menos um grupo significativo de pessoas envolvidas diretamente com a cultura considera relevante para o tempo presente. E com isso se pode observar com maior clareza contrastes e semelhanças entre as diversas obras que alcançam relevância.
Por último, existe outro efeito que considero importante. Os prêmios ampliam o nosso mercado editorial. Pensando-se a leitura como uma prática social, a ampliação de autores e temáticas sempre será relevante. Assim, por causa do prêmio Nobel de literatura, as editoras procuram dar mais atenção a escritores que eram aqui praticamente desconhecidos ou que jamais seriam traduzidos. Qual seria a possibilidade de lermos algum dia Abdulrazak Gurnah, escritor tanzaniano? Com um mercado cada vez mais diversificado, quem ganha é o leitor apaixonado pela literatura, que poderá ampliar seu repertório cultural.
Preciso. Os prêmios literários são recortes do que há de bom na literatura, mas por retratar normalmente um território cultural são sempre políticos. Para mim é sempre a oportunidade de escutar um nome novo e experimentar uma nova estética literária. Abraço.
Excelente!